Thursday, November 18, 2010

O Caminho do Meio

Sei que uma arte que tenta ser universal, formal e leve para outra realidade mais amena pode parecer utópica. Falam que diante de tantos problemas que o mundo atravessa não podemos não nos responsabilizar e fingir que os problemas não existem. Sou a favor da arte engajada. Mas não podemos encontrar um caminho do meio?

Uma arte que só denuncia, bota luz nos problemas sociais e políticos tem que trazer alguma solução. Não adianta ficar só mostrando as barbáries da nossa sociedade. Já que esse tipo de arte não traz soluções tão efetivas a meu ver, por que valorizá-la mais que a arte que nos transporta para um lugar mais prazeroso?

Talvez onde não exista só reflexão ou só prazer estético, como em uma arte abstrata por exemplo. Talvez ai podemos encontrar um ponto de comunhão, um universalismo. O bom artista é aquele que consegue unir os dois pólos, como Picasso em sua Guernica, que é tão bom em seu aspecto formal quanto em sua reflexão política. Ele conseguiu pegar o caminho do meio.

Saturday, October 09, 2010

Pipilotti Rist em Barcelona


A viagem pelo mundo audiovisual de Pipilotti Rist leva a prazeres estéticos em que a sensação está a frente da nau que navega pelo inconsciente pessoal e coletivo de quem visita a exposição Partidos Amistosos na Fundação Joan Miró em Barcelona.

Fluid, plastic forms wrap you in smooth sounds and painted dreams into digital bliss.

Visões e perspectivas de uma realidade colorida - tão simbólica que beira o onírico - envolvem com cores sensuais.

Imagens e sons que levam a uma sensação de transcendência diante de folhas caindo, barulhos do vento e uma música embalante que transportam em um ritmo harmônico. Corpos nadando, tocando, andando em cima de frutas e deitados nus na chuva projetados em uma cozinha estéril e imperecível. Uma busca pelo equilíbrio, entre o orgânico e o inorgânico onde a natureza tem um papel principal para uma percepção fluida como àgua.

Entramos em uma espécie de caverna escura onde podemos ver no teto uma abertura, um portal para outra realidade. Observamos as imagens que surgem sem uma narrativa linear, apenas para o deleite de nossos olhos. Uma pausa para uma reflexão que remete a caverna de Platão, arte como ilusão. Porém contemporânea em sua tecnologia, um Matisse pós-moderno.

Entre rosa, lilás, azul, laranja e amarelo a reflexão se dissolve e em um último suspiro entende a importância do natural para fugir do mundo da razão. Resgata a vontade de volta à natureza, já que o conhecimento racional só nos levou à destruição e ao esvaziamento de significados. Por que pensar tanto? Ainda bem que algunas instituiçoes ainda apresentam exposições onde a beleza e a felicidade ainda reinam.

Thursday, March 18, 2010

A Miopia da Arte


A situação em que a arte se encontra hoje se tornou tema de muita polêmica. Mas desde que se começou a pensar a arte e buscar determinar conceitos para ela, existe a declaração de que está em crise. A proximidade com as mudanças é a causa dessa confusão, pois quando não temos uma distância temporal para analisá-la e compará-la com outros momentos, é impossível conseguir determinar um conceito para ela.

É necessário ter uma perspectiva histórica para compreender as mudanças que ocorrem no momento que está se vivendo. Por enquanto estamos no meio do turbilhão de mudanças e não conseguimos entender o que se passa na produção de arte do nosso tempo. Vamos precisar esperar mais alguns anos para poder criar um discurso sobre o que estamos passando.

A arte clássica só foi determinada assim durante o renascimento, quando se criou uma inteligibilidade para analisar tal contexto. O mesmo aconteceu durante o modernismo diante do pânico das mudanças que ocorreram, inclusive gerando em muitos a constatação de que a arte havia acabado. Atitude natural diante de uma tentativa de ruptura com padrões. Até hoje não nos recuperamos da perda de ideais e modelos de arte tradicionais como a beleza e a pintura.

Mas é um caminho natural para apropriar as mudanças e encaixá-las no trilho da História. No embate entre forças conservadoras e progressivas, surge sempre a teoria de morte da arte. Na verdade, a arte não morre, ela apenas muda para acompanhar as transformações da sociedade. Então, é necessário se criar um discurso novo para seguir pensando a arte. Isso tudo diante de uma perspectiva histórica, já que dentro desse panorama cabem diversos tipos de arte, inclusive a arte primitiva (ou pré-histórica). Porém, devemos continuar analisando a arte sob esta ótica? Afinal, essa perspectiva surgiu apenas depois que se buscou criar um discurso para a arte, ou seja, a História da Arte.

Hegel tentou acabar com essa perspectiva histórica ao afirmar que o valor da arte estava na consciência do indivíduo no momento em que ele cria a obra e não no que foi dito sobre ela depois. Ele foi o primeiro a declarar a morte da arte e tirá-la dos trilhos da história. Com ele surgiu a arte pós-histórica, que não se baseava mais em modelos tradicionais e isso acabou abrindo as portas para qualquer tipo de produção, que se diz arte, ser considerada como tal. Por isso hoje chegamos a coisas tão aquém do que se conhece como arte que muitos se espantam.

Então, não podemos perder a perspectiva histórica, mas devemos adaptar a noção de historicidade para os dias de hoje. Pois a evolução da arte se dá de acordo com a evolução da sociedade, suas mudanças refletem as mudanças da sociedade. Não é mais o estilo que importa, como no modernismo, ou a novidade, como na arte contemporânea, mas sua expressividade enquanto forma, deixando de lado o conteúdo conceitual. A arte está intimamente ligada à vida, desde sempre. Não podemos nos esquecer que os mestres clássicos, mesmo com seus ideais universais, refletiam o mundo de seu tempo, e essa relação com a vida não é fácil de determinar em alguma fórmula.

O discurso que foi criado depois para esse tipo de arte não necessariamente revela o que era na realidade, esse discurso foi determinado por vários fatores: forças do mercado, a cultura dominante, etc. Criou-se uma fórmula para poder existir uma ordem e não acontecer o que aconteceu quando Hegel declarou a morte da arte, ou o nascimento da arte pós-histórica, que abriu caminho para qualquer coisa ser considerada arte. Tudo é uma evolução baseada no passado, então é possível se criar uma narrativa linear. Para se criar esse discurso, pegavam uma obra para exemplificar o modelo do momento. Mas não podemos fazer isso, pois não se pode determinar o contexto geral através de um exemplo só. Devemos analisar a produção geral para entender o que está acontecendo na arte hoje.

Chega de pensar tanto a arte, vamos senti-la! Assim, podemos vê-la através de uma perspectiva mais ampla. As obras de arte existem para serem apreciadas, não discutidas. Já saímos do mundo da razão pura, agora estamos em um mundo de relação e isso se dá através dos sentidos também. Para se compreender o que a arte de hoje significa devemos esperar um pouco e sentir. Depois ela será vista como uma parte da história em que todos sentiam a mesma coisa, como a geração paz e amor, por exemplo, que foi gerada em cima de sentimentos e não de conceitos.

Wednesday, February 17, 2010

A Moldura da Arte


Como um quadro, a arte precisa de uma moldura para ser identificada. Limites que determinam o que é e o que não é considerado como tal. Essas classificações moldaram a História da Arte desde quando foi criada durante o século XIX. O pensamento Cartesiano da época constituiu uma forma de pensar a História através de um progresso linear, que seguiu até Hegel perceber que o pensamento da sociedade havia mudado.

Desde Platão a arte foi vista racionalmente e segue assim até os dias de hoje. Mas não podemos nos esquecer de sua potência sensível. Pois, quanto mais ela foi sendo vista de forma intelectual, mais ela se limitou à compreensão de poucos e assim foi se separando da vida. A arte sofre varias transformações porque ela reflete as mudanças da sociedade e por isso ela não pode ser determinada por um discurso, mas deve revelar o pensamento livre da expressão artística. A nossa percepção sensível acompanha essas transformações porque participamos do contexto em que é produzida. Hoje nossa concepção mudou e os limites foram quebrados. Como a arte expressa livremente as transformações da sociedade, atualmente ela é mais engajada.

Giorgio Vasari inaugurou a narrativa da História da Arte em 1550, quando ao escrever sobre a vida de arquitetos e artistas em seu livro Le Vite delle più eccellenti pittori, scultori, ed architettori (A Vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos) se propôs a separar o que era bom e ruim na arte até então. Depois dele, tudo deveria seguir a mesma lógica. Essa lógica é o que criou a moldura para o que hoje entendemos sobre o que é arte. Assim, ela se tornou seu próprio conceito. O que não seguia essa idéia, não era considerado como tal. Esse discurso foi usado para impor limites e organizar a História da Arte, que só podia ser narrada onde a arte manifestava essa definição universal. Às vezes um único quadro era utilizado para mostrar o que era considerado como arte no momento, e foi assim que surgiram os estilos, que serviam para definir as fases e a evolução da arte.

A cultura grega foi o ponto de partida para como se pensar a arte. Seus ideais de busca pela essência das coisas foram tomados como a diretriz do fazer artístico. Mas a arte como uma revelação da mente absoluta só pode ser vista em retrospectiva. Foi o que aconteceu durante o Renascimento, quando eles buscaram trazer de volta as idéias platônicas de arte como um caminho para chegar ao mundo das idéias. Isso inaugurou a apreensão artística de maneira conceitual. Nesse contexto eles buscavam comunicar os ideais religiosos. O conteúdo era mais importante que a forma. A função da arte era de comunicação.

Hegel também contribuiu muito para criar o que hoje conhecemos como História da Arte, mas ele acabou separando a arte da idéia de História ao dizer que a arte de seu tempo não era mais como antes e por isso ela se libertou desse discurso histórico. Para ele, a arte reflete o pensamento da sociedade. Então, se hoje ela não segue uma perspectiva histórica é porque o pensamento mudou. Assim, ela se liberta do conteúdo que havia incorporado anteriormente para seguir expressando livremente o que os tempos vivem no momento.

Isso aconteceu durante o Iluminismo, onde os artistas passaram a ter um valor individual enquanto subjetividade expressiva e criativa. A arte então deixou de ser uma expressão universal para ser uma expressão particular a partir do indivíduo. No século XIX foi criada a Estética e a arte passou a ser considerada a partir de suas características visuais, como a beleza. Kant ajudou na construção dessa moldura ao apresentar sua Crítica da Razão Pura e Crítica do Juízo Estético, onde ensinava a contemplar a arte. Isso acabou levando à idéia moderna de autonomia da arte, em que a arte não precisava ser uma forma de comunicação entendida por todos, mas apenas ter suas formas apreciadas por quem entendia. Imposição da sociedade burguesa que pretendia separar a classe dominante através do gosto do belo e do conhecimento da História da Arte.

Até mesmo objetos que foram criados sem saber sobre a existência desse conceito - como, por exemplo, a arte pré-histórica - entrou na classificação no século XIX. Quando as pinturas rupestres foram feitas seus criadores nunca se imaginaram artistas. Isso porque o conceito de arte foi criado muito tempo depois. Para encaixar objetos na concepção de arte do momento foi uma luta gradual. Até 1814, os catálogos que apresentavam esse tipo de arte no Louvre se desculpavam por incluírem os “primitivos” italianos, como Michelangelo e Raphael. Napoleão fez uma exposição de arte européia no Louvre, mas não incluiu a arte medieval. O que depois de uma pesquisa arqueológica foi incorporada à coleção do museu. Mas até então muito do que hoje vemos em museus como arte não era visto dessa maneira.

Ao se determinar o que é arte e colocá-la no museu de uma forma cronologicamente ordenada, considerando o que foi criado no passado a partir de um conceito criado depois, acabou separando a arte da vida, pois a tirou de sua função usual para ilustrar uma idéia. Hoje não existe um discurso certo para o que é arte, é impossível defini-la de acordo com um modelo histórico. A concepção de uma História da Arte linear deixou de existir durante a modernidade, pois percebemos que a arte não evolui de forma cronológica, ela se transforma dando saltos e não seguindo um processo de desenvolvimento gradual. Hoje a História da Arte é composta por uma multiplicidade de atitudes e abordagens que compõem a totalidade de transformações artísticas.

Tanto a forma de produção quanto a de recepção mudaram na atualidade. Hoje sua função é participativa, depende da reflexão dos espectadores. Temos que percebê-la sensivelmente, não apenas intelectualmente, pois este é o veículo mais puro para a sua percepção. É a arte que permite a comunicação universal entre os homens de todos os tempos e lugares. Uma comunicação de nível espiritual mais que racional, e o que permite a união entre arte e vida.

Ao impregnar a arte de conceitos, acabamos nos esquecendo de sua função sensível. A sensibilidade é uma construção sócio-cultural e está sendo reformulada pelos artistas contemporâneos, mas continua a ser o propósito último da arte. Deixou de ser despertada pela beleza e passou a ser pelo estranhamento. A arte de hoje é mais engajada e participativa para ampliar a comunicação entre as pessoas. Esta aproximação da arte com a realidade abre a possibilidade de qualquer um que tenha algo importante para dizer ao mundo tenha um veículo para comunicar sua mensagem.