Wednesday, February 17, 2010
A Moldura da Arte
Como um quadro, a arte precisa de uma moldura para ser identificada. Limites que determinam o que é e o que não é considerado como tal. Essas classificações moldaram a História da Arte desde quando foi criada durante o século XIX. O pensamento Cartesiano da época constituiu uma forma de pensar a História através de um progresso linear, que seguiu até Hegel perceber que o pensamento da sociedade havia mudado.
Desde Platão a arte foi vista racionalmente e segue assim até os dias de hoje. Mas não podemos nos esquecer de sua potência sensível. Pois, quanto mais ela foi sendo vista de forma intelectual, mais ela se limitou à compreensão de poucos e assim foi se separando da vida. A arte sofre varias transformações porque ela reflete as mudanças da sociedade e por isso ela não pode ser determinada por um discurso, mas deve revelar o pensamento livre da expressão artística. A nossa percepção sensível acompanha essas transformações porque participamos do contexto em que é produzida. Hoje nossa concepção mudou e os limites foram quebrados. Como a arte expressa livremente as transformações da sociedade, atualmente ela é mais engajada.
Giorgio Vasari inaugurou a narrativa da História da Arte em 1550, quando ao escrever sobre a vida de arquitetos e artistas em seu livro Le Vite delle più eccellenti pittori, scultori, ed architettori (A Vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos) se propôs a separar o que era bom e ruim na arte até então. Depois dele, tudo deveria seguir a mesma lógica. Essa lógica é o que criou a moldura para o que hoje entendemos sobre o que é arte. Assim, ela se tornou seu próprio conceito. O que não seguia essa idéia, não era considerado como tal. Esse discurso foi usado para impor limites e organizar a História da Arte, que só podia ser narrada onde a arte manifestava essa definição universal. Às vezes um único quadro era utilizado para mostrar o que era considerado como arte no momento, e foi assim que surgiram os estilos, que serviam para definir as fases e a evolução da arte.
A cultura grega foi o ponto de partida para como se pensar a arte. Seus ideais de busca pela essência das coisas foram tomados como a diretriz do fazer artístico. Mas a arte como uma revelação da mente absoluta só pode ser vista em retrospectiva. Foi o que aconteceu durante o Renascimento, quando eles buscaram trazer de volta as idéias platônicas de arte como um caminho para chegar ao mundo das idéias. Isso inaugurou a apreensão artística de maneira conceitual. Nesse contexto eles buscavam comunicar os ideais religiosos. O conteúdo era mais importante que a forma. A função da arte era de comunicação.
Hegel também contribuiu muito para criar o que hoje conhecemos como História da Arte, mas ele acabou separando a arte da idéia de História ao dizer que a arte de seu tempo não era mais como antes e por isso ela se libertou desse discurso histórico. Para ele, a arte reflete o pensamento da sociedade. Então, se hoje ela não segue uma perspectiva histórica é porque o pensamento mudou. Assim, ela se liberta do conteúdo que havia incorporado anteriormente para seguir expressando livremente o que os tempos vivem no momento.
Isso aconteceu durante o Iluminismo, onde os artistas passaram a ter um valor individual enquanto subjetividade expressiva e criativa. A arte então deixou de ser uma expressão universal para ser uma expressão particular a partir do indivíduo. No século XIX foi criada a Estética e a arte passou a ser considerada a partir de suas características visuais, como a beleza. Kant ajudou na construção dessa moldura ao apresentar sua Crítica da Razão Pura e Crítica do Juízo Estético, onde ensinava a contemplar a arte. Isso acabou levando à idéia moderna de autonomia da arte, em que a arte não precisava ser uma forma de comunicação entendida por todos, mas apenas ter suas formas apreciadas por quem entendia. Imposição da sociedade burguesa que pretendia separar a classe dominante através do gosto do belo e do conhecimento da História da Arte.
Até mesmo objetos que foram criados sem saber sobre a existência desse conceito - como, por exemplo, a arte pré-histórica - entrou na classificação no século XIX. Quando as pinturas rupestres foram feitas seus criadores nunca se imaginaram artistas. Isso porque o conceito de arte foi criado muito tempo depois. Para encaixar objetos na concepção de arte do momento foi uma luta gradual. Até 1814, os catálogos que apresentavam esse tipo de arte no Louvre se desculpavam por incluírem os “primitivos” italianos, como Michelangelo e Raphael. Napoleão fez uma exposição de arte européia no Louvre, mas não incluiu a arte medieval. O que depois de uma pesquisa arqueológica foi incorporada à coleção do museu. Mas até então muito do que hoje vemos em museus como arte não era visto dessa maneira.
Ao se determinar o que é arte e colocá-la no museu de uma forma cronologicamente ordenada, considerando o que foi criado no passado a partir de um conceito criado depois, acabou separando a arte da vida, pois a tirou de sua função usual para ilustrar uma idéia. Hoje não existe um discurso certo para o que é arte, é impossível defini-la de acordo com um modelo histórico. A concepção de uma História da Arte linear deixou de existir durante a modernidade, pois percebemos que a arte não evolui de forma cronológica, ela se transforma dando saltos e não seguindo um processo de desenvolvimento gradual. Hoje a História da Arte é composta por uma multiplicidade de atitudes e abordagens que compõem a totalidade de transformações artísticas.
Tanto a forma de produção quanto a de recepção mudaram na atualidade. Hoje sua função é participativa, depende da reflexão dos espectadores. Temos que percebê-la sensivelmente, não apenas intelectualmente, pois este é o veículo mais puro para a sua percepção. É a arte que permite a comunicação universal entre os homens de todos os tempos e lugares. Uma comunicação de nível espiritual mais que racional, e o que permite a união entre arte e vida.
Ao impregnar a arte de conceitos, acabamos nos esquecendo de sua função sensível. A sensibilidade é uma construção sócio-cultural e está sendo reformulada pelos artistas contemporâneos, mas continua a ser o propósito último da arte. Deixou de ser despertada pela beleza e passou a ser pelo estranhamento. A arte de hoje é mais engajada e participativa para ampliar a comunicação entre as pessoas. Esta aproximação da arte com a realidade abre a possibilidade de qualquer um que tenha algo importante para dizer ao mundo tenha um veículo para comunicar sua mensagem.
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1 comment:
hoje não mais retilínea ou estravagante,não mais pessoal ou social,nao mais simbolica ou subjetiva,não mais do dentro pra fora ou de fora pra dentro,não mais interpretativa ou representativa,não mais sublimada ou cruenta,não mais uma relação a dois,sujeito e objeto,substantivo e adjetivo,não mais preto no branco,impossível de ser retratada,entendida ou explicada,antes uma explosão de eus onipresentes,onicientes,onipotentes,muito,muito,muito mais difícil de ser exteriorizada,por isso descrepante,exagerada,terminal e questionadora ,tal qual o homem atual,conectado e alienado ao mesmo tempo do seu eu ainda não totalmente decifrado,mas sentido,existente e variável, vários alteregos ,vários unversos. informadíssimo e vazio....indo para.. de onde viemos,quem somos e para onde iremos ,ele hoje reconhece a busca,a procura e se desconhece a cada dia ,por saber que nada sabe,ter perspectivas é até temerário,simplesmente ele se expessa de qualquer maneira,não sabe porque ou para quem ,a carne,o verbo,a loucura e a sabedoria tão diferentes e tão próximos inseridas nos genes. (Vera L. Vieira - mãe da Bia)
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