Wednesday, October 14, 2009

Livro


Contracapa

Diante de uma discussão muito vasta sobre a definição de “O que é Arte?”, surge uma questão que me intrigou muito: a teoria sobre a morte da arte. Em um primeiro momento me perguntei, como é possível a morte da obra de arte se ainda podemos visitar exposições em museus e galerias de arte?

Depois de me debruçar em textos de autores como Kant, Shopenhauer, Hegel e mais atuais como Ferreira Gullar, Clement Greenberg e Arthur Danto, entre outros - vi que a questão vai para um campo muito mais filosófico do que artístico.

A necessidade de definir arte vai além da sua função prática e acaba levando-a para o campo da Filosofia. Assim, ela deixou de lado o sensível para se voltar para o racional e se tornou objeto de estudo. Isso acabou levando teóricos a acreditarem que Arte como conheciam havia morrido, pois não estava seguindo um desenvolvimento progressivo de acordo com a História da Arte até então.

Aqui vamos discutir as teorias e pensamentos que surgiram para acompanhar as transformações na forma e no conteúdo das obras de arte, para mostrar que a teoria de morte da arte não quer dizer que a arte acabou. Ela é apenas uma idéia utilizada para legitimar as criações que estão por vir.

A arte nunca morre, pois ela reflete as mudanças da sociedade de um contexto para outro. Depois que o conceito de Arte foi inventado, a busca por uma definição única gerou mais questionamentos. Arte não pode ter uma determinação fixa, pois sua essência é a de constante transformação. Ela reproduz a situação social em que vivemos e por isso faz parte da vida.


Introdução

Hoje, a produção artística não segue padrões e não tem limites. A pluralidade é uma característica da pós-modernidade. “Se tudo é arte, nada é”, afirma Ferreira Gullar. Seria esta a confirmação da teoria da morte da arte que nos acompanha desde Hegel?

O filósofo clássico alemão já apontava as profundas transformações em sua natureza, que permanecem até hoje. Ele condenou todas as artes produzidas depois dos gregos como “pós-histórica”, já que deixaram de seguir tal modelo de desenvolvimento. A valorização do conteúdo em vez da forma foi uma das condições que levaram a construção desta teoria. Para Hegel, a morte da arte é quando ela se torna Filosofia.

Filósofos modernos, como Clement Greenberg, seguem a visão evolucionista. Acreditam que a arte segue um desenvolvimento progressivo. Gianni Vattimo e Arthur Danto, filósofos da pós-modernidade, possuem uma visão de que a arte não segue uma ordem e não pode ter um desenvolvimento histórico. Danto, que segue a visão essencialista, afirma que a arte não tem uma natureza única, sua essência é a da constante transformação. Para ele, na verdade ela muda de acordo com o contexto histórico e tem como sua essência a constante mudança. Esse pensamento de não seguir uma ordem é típica do pós-modernismo que diz que a arte está em constante transformação e não existe um padrão exato para ela. Para os essencialistas, a arte chegou ao fim quando percebemos o fim dessa sua historicidade. Ou seja, a definição de arte que depende dessa historicidade, acabou.

Cada época tem na arte o reflexo da verdade do seu tempo, o que Hegel chama de Espírito. A busca por um sentido para a arte deve ser feita a partir de uma perspectiva do momento histórico onde se encontra o artista e não o espectador. Hoje não podemos apreender a arte clássica da mesma maneira que os gregos quando esta foi criada.

A valorização das obras de outras épocas ocorre devido à classificação das obras de arte de acordo com conceitos inventados pela Estética no século XIX, que foram bastante utilizados e difundidos pelo mercado de arte desde então. Principalmente, entre os críticos que passaram a determinar o que é arte e o que não é.

A necessidade de criar determinações de estilos é um pensamento moderno e existe para legitimar as novas formas de arte que surgem. Mesmo que isso impeça a arte de se desenvolver livremente, pois passa a ser criada a partir de uma pré-concepção racional.

Ao analisarmos a História da Arte podemos ver que ela é feita de rupturas em suas formas e conteúdos para acabar com os padrões tradicionais e abrir espaço para as novas manifestações artísticas que estão por vir. Por isso as definições e teorias elaboradas a seu respeito devem ser sempre atualizadas, muitas vezes sendo quebradas.

As transformações da arte servirão como pano de fundo para esta análise, principalmente as ocorridas durante a Modernidade, que foi uma época de questionamentos e rupturas.

As características principais de movimentos e artistas importantes serão apresentados superficialmente, apenas para retratar o contexto que levou às mudanças naqueles momentos.

Uma breve historia da arte:

Muito do que sabemos das antigas sociedades vêm da arte que elas produziram. Como as pinturas rupestres, as pinturas nas paredes do Egito, nos vasos gregos e nos vitrais dos mosteiros da Idade Média.

Na Idade Média, a arte estava completamente comprometida com a difusão do Catolicismo na Europa. Houve uma ruptura com as características vindas da Grécia.

O Renascimento trouxe uma ruptura com a tendência obscura de arte Medieval e a renovou com os ideais gregos no Neoclassicismo, que voltou a dar valor ao sujeito. Nessa época criou-se a tinta a óleo, a tela e o cavalete.

O período Barroco é um desdobramento do Renascimento. A Igreja Católica queria romper com a temática do Renascimento e mais uma vez voltar a temática espiritual (dualidade: luz/sombra), buscando envolver emocionalmente as pessoas.

No Neoclassicismo desaparecem os temas religiosos, para dar lugar as imagens históricas e temas do cotidiano. As formas eram geométricas e simétricas em contrareação ao Barroco.

O Romantismo rejeitou as idéias iluministas e a estética neoclássica. Buscava causar emoção.

O Realismo foi uma reação ao Romantismo, se desenvolveu baseado na observação da realidade, da razão e da ciência. O movimento também se revoltou contra os temas históricos, mitológicos ou religiosos, em favor das cenas não idealizadas da vida moderna.

A ruptura do Impressionismo ocorreu devido ao surgimento da fotografia que levou os pintores a desconstruírem as imagens.

Em contraposição, o Expressionismo se preocupava em retratar o interior do artista, em vez do que ele via no exterior.

No Cubismo, as figuras eram totalmente desconstruídas e as obras eram valorizadas pela sua funcionalidade, não pelo que representam.

Para a concepção - típica do pensamento moderno - de que o processo de desenvolvimento das artes se dá progressivamente, de forma contínua, é necessário romper com o passado para que uma nova forma de arte possa surgir. Mas a arte não evolui, ela muda.

Por isso, não é necessário seguir um ordenamento cronológico para explicar a História da Arte, pois não é possível traçar uma trajetória linear para o seu desenvolvimento. Sua trajetória não segue um progresso ordenado, mas muda abruptamente e a definição de arte se transforma junto com ela.

Arte passou a ser vista filosóficamente desde os Gregos, no período que vai de 600 a.c até 200 a.c. Nessa época, Platão e Aristóteles já teorizavam sobre o que é arte. Desde então, o conceito de arte foi reinventado várias vezes.

A Estética só foi inventada no Renascimento, época de Kant e Shopenhauer. Quando as teorias foram buscar nos gregos os ideais de harmonia e beleza para formar uma categorização para a arte. O Renascimento deu início a verdadeira classificação das artes, incluindo criações anteriores que nem sabiam que o que estavam fazendo mais tarde seria chamado assim. As pinturas rupestres, por exemplo, tinham uma função narrativa. Elas eram usadas no cotidiano para contar histórias de caças e lendas de deuses. Não eram feitas para seguir um conceito estético.

O Romantismo traz para a arte a concepção iluminista de que tudo é resultado de um pensar. A arte passou a ser vista como um pensar através de imagens. Inicia-se as concepções de Belo e Sublime, em Kant e a arte passa a ser vista como conhecimento puro em Shopenhauer, criando assim a metafísica da arte. Tirando-a de sua função prática e passando a uma função filosófica. A sensação é vista como consciência pelos impressionistas de 1880. Cézanne via na apreensão através da retina a possibilidade de uma compreensão ontológica da arte, e assim um canal para sua essência. Estando ainda intimamente ligada à metafísica estética. A filosofia da arte e a arte em si se misturaram e cada vez mais a arte vai se afastando do sensível.

Mas a definição que separou arte de artesanato foi também o que separou a arte da vida. Pois antes, a criação artística era uma conseqüência da necessidade funcional do objeto artesanal que agora passa a ser visto como artístico.

Quando a arte se separou do artesanato, ela perdeu a sua funcionalidade utilitária, como necessidade real do momento. Quando o espírito criativo era livre, dentro do trabalho artesanal, era arte “verdadeira”. Pois expressa a experiência de realidade. Ela estava inserida na sociedade através de sua funcionalidade, a expressão artística era conseqüência. A arte para contemplação explodiu no Renascimento, quando ocorre um resgate dos valores universais da arte para sair um pouco da subjetividade particularizada.

A valorização da subjetividade do indivíduo foi a porta de entrada para o conceito na arte, pois ela saiu do universal e passou ao particular. Isso acabou gerando padrões que eram determinados pelos críticos de acordo com seu gosto.

A presença da subjetividade do artista enquanto portador de um verdadeiro saber da sua época permite criar uma arte natural. A verdadeira arte é um fazer sem nenhum compromisso racional, deve nascer de uma necessidade espontânea de se expressar. Sua funcionalidade está na necessidade desse fazer. Nessa materialização do fazer está presente toda a experiência do artista, que condensa na sua obra o contexto em que ele vive. Assim, a obra é um produto natural dessa necessidade de expressão. Antes da separação entre arte e vida, no Romantismo, era assim. Ultimamente isso se perdeu. A arte nesse sentido não existe mais. Quando ele cria a partir de um conceito pré-determinado em relação aquilo que está sendo considerado como arte, leva ao esvaziamento do verdadeiro sentido da arte.

O Neoclassicimo é um exemplo da arte fora de sua funcionalidade. Uma arte criada sob uma perspectiva do significado da própria arte, a partir dos conceitos da arte clássica. É um revival em busca da arte quando ela ainda era livre de conceitos, quando ela era feita sem saber sobre a existência de um conceito de arte.

A separação entre arte e realidade, presente na concepção de que a função da arte é apenas a contemplação, começou com o processo de autonomia da arte. Todo o desenvolvimento da “arte pela arte” que aconteceu no Modernismo acabou afastando a arte do povo. O isolamento da arte levou à sua própria morte, pois seu conteúdo artístico se baseou em idéias, cada vez mais subjetivas.

A obra de arte deixou de expressar as verdades eternas e passou a expressar verdades efêmeras. Assim, a arte se tornou experiência coletiva de comunicação através de símbolos e valores que são considerados artísticos de acordo com o contexto histórico no qual se insere.

A estética enquanto compreensão da forma como significante retornou em Kandinsky, mas a arte continuava a ser vista de fora como uma prática conceitual, não buscavam a sua função dentro da sociedade. Sua experiência era teorizada por quem determinava as tendências. E assim, abriu-se espaço para o surgimento da anti-arte, que era produzida como uma forma de questionar o que estava sendo considerado arte. E a provocação dos sentidos se perdeu na confusão intelectual de rupturas e questionamentos da época.

O pós-guerra trouxe o surgimento de uma mentalidade artística totalmente nova, desligada de toda bagagem cultural desenvolvida na Europa, que havia acabado junto com a guerra. O Expressionismo Abstrato quis demonstrar através de suas formas de representações de conteúdo incompreensíveis para o público que os valores de outrora haviam sido destruídos pela guerra. Buscando assim voltar a uma apreensão estética sensível da arte. Dessa forma, a arte não tinha funcionalidade alguma. Por isso a década de 60 foi buscar na cultura Pop algo que pudesse descrever a condição da sociedade de então. Sua funcionalidade era servir como meio de comunicação da cultura de massa.

A busca pela definição do que é arte é exatamente um questionamento sobre a própria natureza da arte, o que acabou causando experimentações que passaram dos limites tentando encontrar um significado determinado.

Para muitos, foi o que aconteceu quando Duchamp colocou o urinol no museu como obra. Com seu ato de transgressão, ele buscou definir a arte através de uma comparação com os objetos do cotidiano, despertando no espectador uma idéia em vez de sensações. Assim, ele questionou seu próprio estatuto, o que acabou causando talvez a maior ruptura no mundo das artes, abrindo espaço para uma diversidade na produção artística. Outro gênio que contribuiu muito para a liberdade que a arte tem hoje foi Andy Warhol, que previu a condição pós-moderna - de que a arte pode estar em qualquer lugar - em suas obras.

A profecia de Hegel será tema do primeiro capítulo, em que será trabalhada também a questão da experiência estética em Kant.

No segundo capítulo, farei uma exposição de como o conceito de arte foi inventado.

No terceiro capítulo será tratada a questão da ruptura tão presente nas vanguardas. Duchamp será o foco principal da análise. Sua obra é reflexo da negação presente no pensamento da época e fruto de sua subjetividade contestadora. Os readymades, criações suas que se tornaram ícones desse contexto artístico, são objetos industriais que se tornam obras de arte sem nem sequer sofrer qualquer transformação pelo artista a não ser o gesto de colocá-lo como obra. Assim, deixou de lado a forma para valorizar a idéia determinada pelo artista, ou melhor, o conteúdo. Abrindo assim a porta para a arte conceitual, que é a confirmação da tese de Hegel, já que valoriza a idéia, se aproximando então da Filosofia.

O último capítulo traz as teorias sobre a morte da arte em Ferreira Gullar, Clement Greenberg, Arthur Danto e Gianni Vattimo. Todos teóricos e críticos de arte contemporâneos. Gullar compartilha da mesma idéia de Hegel, de que “o fim da arte é quando ela se torna conceito”. Ele afirma que a busca do novo levou a um esvaziamento do significado da arte, mas não à sua morte. Hoje ela pode ser qualquer coisa. Assim, o que morreu foi o significado de arte como a conhecíamos.

O que antes deveria seguir um modelo, um padrão, agora só precisa do aval de um artista ou de um crítico para ser considerado arte. Hoje, os museus expõem obras cada vez mais difíceis de serem apreendidas pelo espectador comum, até porque com tanta sede de transgressão acabou se esquecendo da beleza e de outros valores que tornam a arte um meio para atingir a nossa alma, universalmente, através da sensibilidade.

Hoje o desenvolvimento artístico vai para o lado contrário, busca uma reaproximação da arte com a vida. Muitas vezes, trazendo questões políticas e sociais que acabam ajudando no reconhecimento da sociedade em si mesma. Por isso vemos como característica principal da Arte Contemporânea a apropriação de materiais do cotidiano para usá-los em seu sentido próprio, causando uma transfiguração do objeto em arte. Sua função é nos fazer compreender o sentido de “estar no mundo” hoje.
A busca por um significado relevante para a arte levou ao esgotamento da metafísica da arte, que buscava um conteúdo que representasse o momento histórico. A arte então deixou de ir para o lado filosófico e passou a se aproximar mais da vida. Primeiro, com a Arte Pop, que não seguia os padrões estéticos do Belo, mas que demonstra a mentalidade daquele contexto. Quando a arte finalmente renunciou à metafísica, ela voltou a ter sua funcionalidade.

A busca pela definição do que é arte sempre existiu e por isso ela sempre esteve intimamente ligada à Filosofia. Pois, deixamos de vê-la através da nossa sensibilidade e passamos a apreendê-la intelectualmente. Essa “definição” acaba sendo um modo de conhecer a própria sociedade e a sua época. Mas a busca por essa definição não é arte. É filosofia da arte. Na prática, a arte deve ser definida pela sua função no mundo. A pergunta deve ser: Como devemos ver a arte hoje?

Se a historia da arte chegou ao fim, qual é a situação que a arte se encontra agora? Temos que encontrar uma teoria para a arte hoje. Para saber para onde está indo, temos que escrever sua história atual. Não devemos nos perguntar o que é arte, mas como ela funciona no mundo hoje. A função do historiador de arte é descobrir essa função no momento. Para mim, existe uma transformação que segue uma ordem, aquela que reflete o momento histórico em que estamos. Temos que achar a função da arte no nosso momento para saber para onde ela está indo.