Thursday, April 23, 2009
$$ O valor da arte $$
Todas as artes são reflexo da sociedade, mas só as artes plásticas tem a particularidade de ter uma materialidade como obra única. Com isso se assemelha ao dinheiro, pois ambos possuem um valor atribuído que pode ser considerado metafórico. Buscam sempre o equilíbrio entre o valor objetivo (material) e o subjetivo (virtual). Forças opostas que sempre se manifestaram, tanto na vida quanto na arte. Fazer um paralelo entre o mercado de arte e o mercado financeiro nos mostra uma saída para a crise através da arte: voltar à sensibilidade que foi corrompida pela razão.
Assim como as obras de arte, o dinheiro é uma testemunha das épocas. A exposição da Galeria de Valores do CCBB, com curadoria de Denise Mattar, conta a História da Civilização através das características do dinheiro, com uma sala dedicada a História do Brasil. Muitas das moedas e cédulas tem qualidades estéticas espetaculares, feitas por grandes artistas. Ao expor o dinheiro na galeria, se desvela imagens e significados antes não percebidos.
A artista plástica Patrícia Bowles criou animais encobertos por notas de Real. Cada bicho corresponde ao que está na cédula. “Na ideia de vestir com a colagem de xerox de dinheiro corrente, tive como principal objetivo trazer a importância daquilo que o próprio dinheiro está retratando de fato. Um pensar ecológico”.
Ao transfigurar o dinheiro em obra de arte estão desmistificando o seu valor financeiro em valor estético. Como Waltércio Caldas em Dinheiro para treinamento, de1977. Quase um gesto Duchampiano para sacudir a percepção enquadrada que as artes plásticas se encontram. Já que os artistas contemporâneos ainda estão presos à idéia de vanguarda e continuam perdidos em busca da novidade que mais choca. Tudo financiado pelas leis do mercado. Ao desmistificar o dinheiro, a arte o coloca em outro plano para vermos – principalmente hoje, através da perspectiva da crise - a irrealidade do valor financeiro, na arte como na vida.
As moedas na Grécia eram feitas artesanalmente para serem aplicadas na sociedade. “A exposição vai costurando esse universo. Na sala A aventura do dinheiro, a gente faz todo o percurso histórico, desde a primeira moeda, o Starter, e vai até o celular, já que o dinheiro sempre teve um valor virtual. O dinheiro na verdade é uma metáfora”, explica Denise Mattar. As artes plásticas também tem um valor de troca, que depende do valor material mais o valor atribuído, que é determinado por interesses e um consenso entre os compradores. E como o mercado financeiro, possibilita a especulação.
O mercado dita as regras. Hoje um Damien Hirst vale mais que um Rafael! Porque? Os marchands não tem interesse porque essas obras já foram todas encaminhadas. O deslocamento do interesse vai para onde tem mais para vender. Agora é a novidade que vale, e quanto mais famoso melhor. Nem os artistas estão mais preocupados com a sua linguagem ou expressão, estão mais interessados na fama.
O que gerou isso inicialmente foi a perda de referência da crítica ao aprovar tudo que é novo, com medo de estar deixando de fora algum gênio. Com isso se perdeu os parâmetros do que é realmente bom na arte. “Tem uma coisa que de fato determina o valor dos artistas ao longo da História, que é o quanto de inovação ele traz para aquele momento histórico. Pegando o exemplo do Damien Hirst ele foi um artista que trouxe novidade, tanto quanto o Hélio Oiticica, a Lygia Clark. Ao longo da História foi assim, com os impressionistas, etc.”, comenta Denise. Mas essa é uma percepção atual. Van Gogh não vendeu em vida, agora seu valor de mercado é astronômico. Na época não tinham essa noção, hoje reconhecem a inovação no Damien Hirst como o valor da arte.
Hoje, o que legitima o artista é o sucesso que ele faz. Muitos milionários que não sabem onde gastar pensam que o melhor é o mais caro porque confiam no gosto do mercado, e muitas vezes esse jogo de interesses tem um efeito dominó, um compra e logo todos vão querer. Na maioria das vezes eles estão sendo manipulados. Os leilões dão lances falsos toda hora. No de Damien Hirst teve lances dados por ele mesmo para subir os preços de seus trabalhos. Alimentando a máquina de fazer dinheiro do capitalismo.
A obra de arte se tornou mercadoria há muito tempo, como nos mostrou Walter Benjamin. Desde o Renascimento, quando surgiu o mercado de arte, o entendimento da aura da obra de arte foi corrompido pela razão. A racionalidade bárbara da guerra foi o que impulsionou os movimentos modernistas que se revoltavam contra a desumanização do pensamento racional. O Expressionismo busca ressaltar as paixões enquanto o Cubismo a lógica do Cubismo, por exemplo. A História da Arte e da Civilização estão sempre num embate entre a objetivação e a subjetividade.
Quando surge um valor financeiro para arte, que vai além da criatividade ou da qualidade do trabalho, se esvazia seu verdadeiro sentido. Seu poder de atingir nossa alma se perdeu. O dinheiro foi se tornando mais virtual e arte foi se tornando cada vez mais conceitual. Com esse ritmo, de dez anos para cá criou-se uma bolha de crédito. Os preços não correspondem a um valor material de fato, pois o valor extrínseco é muito maior.
O sistema de arte se auto-alimenta. Principalmente nos EUA que foi o que mais destacou o valor financeiro do valor da arte em si. Isso gera uma movimentação financeira que acaba acrescentando no valor final da obra. Tudo se baseia num jogo de interesses, entre os curadores, galeristas, colecionadores, etc. Procuram o reconhecimento. Muitos compradores vindos da própria Bolsa de Valores.
A dissimulação de seu real valor tira a característica principal da arte, que é ser vista e despertar os sentidos mais profundos no espectador. Pois, enquanto mercadoria ela vale tanto que acaba sendo guardada a sete chaves em algum lugar que ninguém vê. Cifras fora da capacidade de aquisição dos Museus.
O lobby do mercado de arte e das instituições, característica do capitalismo, é o principal culpado pelo esvaziamento do verdadeiro poder da arte. O capitalismo com sua acumulação desenfreada gerou comportamentos anti-éticos e acabou se esquecendo dos valores humanos.
A crise afetou principalmente esse nicho, obrigando a rever valores. Nesses momentos, geralmente se voltam a investimentos mais seguros. Investidores passam a procurar trabalhos de artistas mais estabelecidos no mercado. Geralmente com uma carreira sólida. Diminuindo a procura por artistas surgidos agora.
Por isso a arte contemporânea, que tem um valor mais especulativo que os modernos, caiu até 30 % de valor. Enquanto as obras primas possuem um valor palpável baseado na sua contribuição para a História da Arte, a arte contemporânea segue opiniões. Mas, tudo é especulação. O leilão do Ives Saint Laurent, por exemplo, em que as peças ganharam pedigree por terem pertencido a ele e não vão estar disponíveis tão cedo, arrecadou mais de 375 milhões de Euros, mesmo com a crise.
A bolha que se formou nos últimos 10 anos - que fez com que as edições da Artforum tivessem mais de 400 páginas (a maioria com anúncios de galerias) - hoje estourou, e a revista voltou a ter 200 páginas. Agora as pessoas vão passar a realmente ver as coisas como elas são, e a verdadeira arte vai permanecer. Só o que é de qualidade vai ficar, as obras que se sustentam em bases sólidas.
“Uma obra prima tem seu valor percebido de imediato pelo impacto emocional que provoca ao observador sensível”, diz Patricia Bowles.
Esses momentos históricos de percepção de que algo está errado, como a acumulação anti-ética e desenfreada do capitalismo, geram mudanças. A arte dá razão para viver. Precisamos voltar a uma arte que emocione, surpreenda, celebrando a vida e não a morte. Hoje temos exemplos de artistas como Vik Muniz e Jorge Guinle, que surpreendem e exaltam a vida.
“Estou sentindo uma volta da pintura, eu acho que está ocorrendo um desejo até dos próprios artistas de voltar a ver pintura. Nos próprios salões, é o que é mais valorizado. É difícil vir uma coisa nova de qualidade e quando vem é valorizado, veja o exemplo da Lúcia Laguna. Seu trabalho não tem novidade, mas é um trabalho bom. Que mexe com você, te traz algo. E é um consenso, todo mundo acha isso”, Denise Mattar opina sobre o momento pós-crise para as artes plásticas.
Temos que mudar essa ditadura capitalista que gerou essa subida artificial dos preços e voltar a ver as coisas da vida sob uma perspectiva menos racional, mais encantada e emotiva. A crise nos fez ver, mais uma vez, que o capitalismo é anti-ético e
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